Aos 44 anos, Gattuso, o italiano que deixou sua família muito jovem para viver de futebol, conversou pela primeira vez, desde que chegou à Espanha, com o Jornal AS sobre os momentos de sua carreira e as fases importantes que lhe fizeram mudar de opinião sobre ser treinador de futebol.
Quem conhece o ex-jogador, sabe que Gattuso foi um atleta que se impunha dentro de campo. Aos 12 anos de idade, o italiano recebeu uma proposta para jogar no Glasgow Rangers, dos Estado Unidos e mesmo sem querer assinar o contrato, Gattuso foi pressionado a aceitar a proposta pelo pai.
“Eu não queria ir para Glasgow. Eu havia disputado duas partidas na Segunda Divisão e fui promovido à Série A pelo Perugia, onde disputei oito partidas sem contrato. Depois joguei o europeu sub-18 com a Itália… e um dia meu pai veio e me disse que um representante do Glasgow Rangers veio à cidade e propôs isso a você. Eu não queria ir embora. E quando terminei de falar, meu pai me disse: ‘Eu nem sei escrever esse número. Eu tenho que viver quatro vidas para ganhar isso.' Quando eu insistia que não, ele respondia: ‘Vou te dar uma surra se você não aproveitar…'.” Comentou Gattuso.
A mudança de pensamento sobre o futebol
Ainda atleta, Gattuso tinha um olhar diferente dos técnicos que trabalhou. Em entrevista, ele disse que quando tinha 27 anos, possuía um estilo de jogar que hoje não se encaixa no novo futebol. Talvez, seja por influência de Pirlo, ex-jogador italiano, que também pensava em uma partida vertical.
“Com 27 ou 28 anos eu jogava pelo Milan contra um time espanhol. A gente só corria e a bola era jogada só na vertical.”
“Pirlo tinha algo que dificilmente se vê agora: o futebol de longa distância. Agora, para atacar a profundidade é feito tocando na bola. Deus deu a Pirlo qualidades incríveis. Ele tinha quatro olhos. A posição em campo, como se movimentar sem a bola, a distância de quebra… agora faltam muitos times, muitas coisas. Falei com Pirlo. Nossa mentalidade era jogar verticalmente e ele não gostava de jogar curto. Era um futebol diferente.”
Um técnico diferente na Espanha
Durante a entrevista, Gattuso comentou sobre como chegar a Espanha fez a diferença na sua carreira como técnico de futebol. Para ele, foi preciso muito estudo e treino para entender que na Europa a partida possui características mais ofensivas, há um confronto mais direto entre os jogadores.
“Se você olhar para os jogos do Milan ou do Napoli quando eu estava lá, não pressionamos. Em Valência, é o primeiro ano em que vou seguir em frente. No ano passado conversei muito com Gigi, meu segundo, e meus assistentes. Vimos que na Europa eles estão jogando de homem para homem. Nós não fazemos isso. Vamos pressionar e fazer isso bem.” Disse Gattuso.
Ainda sobre o futebol nos dias atuais, Gattuso reitera que o esporte mudou muito, inclusive para os técnicos e que o jogadores são mais profissionais e responsáveis.
“Tudo mudou. Um jogador hoje em dia tem muita informação. No nível mais alto, você tem tudo. Se o rival é destro, e canhoto… Mudou também para o treinador. Agora um treinador controla 65 ou 70 pessoas, antes apenas 30 ou 35. Agora, se você realmente acredita nos dados, você tem todos eles. Se você fizer as coisas direito, não terá muitas lesões. Os jogadores são mais profissionais do que nós. Eles se cuidam melhor, controlam a comida, os pesos… Quando você fala com os jogadores, você tem que saber o porquê, se você não sabe eles vão te matar.” Comentou.
Gattuso sem futebol não é nada
É fato que o futebol trouxe momentos indescritíveis à Gattuso. O esporte mudou sua vida, sua maneira de pensar é o que o faz viver até hoje. Para o técnico, o futebol faz parte de quem ele é e é algo que não sai de sua mente.
Mesmo assim, Gattuso demorou para se acostumar com a vida nas beiradas do gramado. Durante a conversa, o repórter pergunta se ele prefere ser técnico ou jogador e o italiano foi sincero:
“Claramente o jogador. Como eu vivo futebol, você não tem vida. Tenho que agradecer a minha esposa, não sei como ela ainda está comigo. Porque eu vivo isso. Quando comecei nisso, liguei para o Ancelotti e disse: ‘Como você faz?'. Para mim é difícil. Começo às 8h30 e vou para casa às sete da noite. Aí estou em casa no banheiro, vou urinar, e me ocorre uma coisa e eu anoto em um pedaço de papel. Eu vivo assim. Tenho que mudar, porque não dá para ficar 18 ou 19 horas pensando em futebol.”
A sinceridade é o forte de Gattuso, além de ter um olhar crítico sobre o estilo de jogo hoje, o italiano comenta que se existisse um atleta com as mesmas características do ex-jogador, talvez não assinaria um contrato, pois para ele faltaria algo a mais.
“Pelo que vejo no futebol, às vezes eu assinaria e às vezes não. Corri muito e taticamente fui muito forte, mas com certeza no futebol moderno faltaria alguma coisa. Eu tinha caráter, mas do jeito que eu gosto de jogar não basta só ter caráter, que é algo que pode ser melhorado.”
Gattuso ainda ressalta que é uma pessoa que gosta de emoção e aproveita a adrenalina do momento. O esporte precisa ter movimento, desafios e a calmaria não o comove.
“Sou um treinador que ama muito sua equipe e sua comissão técnica. Se não tenho o verme na barriga, não me sinto bem. Eu tenho que ter emoção. O futebol tem que me dar emoção.”
Ao final da entrevista, o repórter o questiona se ele não cansa de viver sempre no limite, já que possui características fortes e não gosta de ver a vida passar despercebida. Da mesma maneira que já conhecemos a personalidade do técnico, Gattuso responde que prefere ser um leão do que um gatinho.
“Não tenho medo da morte. Sim, respeito porque gosto de viver. Prefiro ser um leão e não um gatinho como me pediram na minha apresentação. É melhor viver sempre plenamente do que como mole.” Conclui o italiano.