Histórias da Copa do Mundo: a ”mão de Deus” de Maradona e o gol duvidoso (1986)

Dizer que a Copa do Mundo de 1986 teve de tudo seria um eufemismo. Gols fenomenais foram marcados e inúmeros talentos de classe mundial estiveram nos jogos. O Canadá, a Dinamarca e o Iraque apareceram pela primeira vez nesta fase, com o icônico Estádio Azteca a receber uma final emocionante. Foi também o torneio onde a Onda Mexicana favorita dos fãs foi ao ar.

Mas acima de tudo, foi o torneio em que um tal Diego Maradona mostrou ao mundo do futebol exatamente o que ele poderia fazer com os pés e, também com as mãos…

O argentino roubou a cena, produzindo uma das maiores apresentações individuais da história da Copa do Mundo. O atacante requisitado já havia feito seu nome para a nação quatro anos antes, quando marcou dois gols na Copa do Mundo de 1982 na Espanha. A seleção argentina, no entanto, só conseguiu chegar à segunda fase de grupos, saiu da competição com derrotas contra o rival Brasil e a eventual campeã Itália.

Mas agora, Maradona estava de volta ao grande momento e aderiu de forma importante a braçadeira de capitão enquanto a Argentina buscava seu segundo título, tendo levantado o famoso troféu oito anos antes em casa. Mario Kempes era o herói na época marcando seis gols no time sul-americano, impulsionado por seus barulhentos torcedores da casa.

Essa responsabilidade de herói estava agora nos ombros de Maradona, e é justo dizer que o homem de Lanús não decepcionou seu país.

Maradona dá força à Argentina na fase de grupos

Maradona e Argentina tiveram um começo complicado em sua busca pela vitória, empatam no Grupo A ao lado da Bulgária, Coreia do Sul e a recente campeã Itália. A Bulgária iniciou sua derrota na Copa do Mundo de 1986 desde o início com um empate de 1 a 1 contra os italianos.

A Argentina estava determinada a evitar um destino semelhante e evitou de uma maneira bastante confortável, com uma vitória de 3 a 1 sobre a Coreia do Sul. Apesar de não ter marcado gol, Maradona foi quem dominou, ajudando seu companheiro de equipe no ataque Jorge Valdano a fazer dois gols, com o zagueiro Oscar Ruggeri também na pontuação.

A campeã Itália foi a próxima, e desta vez foi o momento de Maradona, mas o craque só conseguiu garantir um gol para sua equipe, ficando no empate 1 a 1, depois que Alessandro Altobelli colocou gli Azzurri em 1 a 0 na cobranã de pênalti, logo no início.

Os sul-americanos voltaram às vitórias logo depois, conquistando a liderança do grupo com uma vitória por 2 a 0 contra a Bulgária, graças aos gols de Valdano e Jorge Burruchaga. Mais uma vez, apesar de não ter marcado gols, Maradona brilhou em campo e já estava a caminho de se tornar o jogador destaque da competição.

O caminho para a final

No final da competição, os vencedores do grupo foram levados para mais um desafio nas oitavas de final contra o também sul-americano Uruguai. Pedro Pasculli marcou o único gol de uma partida fervorosa no Estádio Cuauhtémoc em Puebla. Mas seria o embate da rodada seguinte contra a Inglaterra que envolveria dois dos momentos mais memoráveis de toda a história da Copa.

As quartas de final quase colocaram Maradona e sua equipe contra outro time sul-americano, mas a Inglaterra tinha derrotado o Paraguai tranquilamente por 3 a 0 nas oitavas de final. Isso resultou em um encontro altamente esperado entre dois velhos inimigos, que deveriam continuar uma rivalidade que supostamente começou 20 anos antes quando as nações se enfrentaram nas quartas de final do torneio de 1966 na Inglaterra.

Diego Maradona joga nas quartas de final na Copa do Mundo de 1986 contra a Inglaterra.
Diego Maradona joga nas quartas de final na Copa do Mundo de 1986 contra a Inglaterra.

Naquela época, Wembley assistiu o capitão da Argentina, Antonio Rattin, receber um cartão vermelho em um jogo extremamente competitivo. O argentino ficou, no entanto, frustrado com a decisão do árbitro alemão Rudolf Kreitlein, enquanto o técnico da Inglaterra, Alf Ramsey, passou a descrever seus oponentes como animais, para deixar o clima ainda mais hostil.

Existia, claro, questões não relacionadas ao futebol que alimentava essa rivalidade também, com o conflito em torno das Ilhas Malvinas chegando ao ponto de ebulição em 1982, apenas quatro anos antes da partida no México.

A mão de Deus e o brilho da jogada solo

Mas o futebol foi o principal ponto de discussão em 22 de junho de 1986, com o jogo realmente ganhando vida aos 51 minutos, quando um chute equivocado do inglês Steve Hodge entrou na área em que a Argentina estava atacando. O atacante Maradona sentiu que esta era sua chance de conquistar a vitória, e ele fez exatamente isso, pulando à frente do goleiro inglês Peter Shilton e chutando a bola para a rede com a mão.

Argentina e Inglaterra copa do mundo de 1982
Argetina e Inglaterra disputam nas quartas de final da Copa do Mundo no Estádio Azteca, na Cidade do México, no México.

Para o desgosto e raiva da Inglaterra, o gol foi permitido, com Maradona apenas admitindo sua malandragem após o jogo, dizendo que o gol foi marcado “un poco con la cabeza de Maradona y otro poco con la mano de Dios”, traduzindo seria “um pouco com a cabeça de Maradona e um pouco com a mão de Deus”. E assim nasceu a “Mão de Deus”.

Enquanto o primeiro gol de Maradona foi rodeado de discussões, não tinha como ter reclamações sobre o segundo, com a estrela argentina pegando a bola em seu próprio meio-campo antes de se lançar em uma corrida louca para a área de pênalti da Inglaterra.

Num espaço de 68 metros, quase como um mágico, ele passou a bola por quatro adversários; Peter Beardsley, Peter Reid, Terry Butcher e Terry Fenwick. Conforme analisado pela FIFA, ele deu 11 toques em 11 segundos, girando e driblando através de uma barreira de jogadores ingleses, finalizando a jogada com um passe para Shilton, que colocou a bola no gol.

Bola usada por Maradona para fazer o gol que ficou conhecido como "as mãos de Deus"
Bola usada por Maradona para fazer o gol que ficou conhecido como “as mãos de Deus”

16 anos depois, como parte da preparação para a Copa do Mundo de 2002, o momento mágico de Maradona foi votado pela FIFA como Gol do Século.

Argentina conquista a Copa do Mundo de 1986

Apenas quatro minutos separaram os dois gols da Inglaterra deixando a “casca quebrada” por ambos os esforços, embora de maneiras totalmente diferentes. Gary Lineker recuou para os jogadores de Bobby Robson a 10 minutos do final, mas não foi suficiente para roubar um empate, com a Argentina escapando para a próxima rodada por pouco.

Aparentemente não cansado de sua jogada anterior, ou mesmo da atenção da mídia em torno de seu agora gol bizarro, Maradona seguiu sua dobradinha contra a Inglaterra com uma dobradinha contra a Bélgica nas semifinais.

Apenas 12 minutos separaram seus dois gols desta vez e, embora não tenham sido tão espetaculares e questionáveis quanto seus dois gols anteriores, uma vaga na final contra a Alemanha Ocidental foi garantida.

Mais de 100.000 torcedores lotaram o Azteca para testemunhar uma sequência emocionante de cinco gols, com Maradona sendo a principal atração do dia. Apesar de ter sido maltratado em todos os sentidos por seus adversários, o capitão levou sua equipe a uma vitória memorável por 3 a 2, e os torcedores ficaram muito felizes ao ver o enorme sorriso em seu rosto ao levantar o famoso troféu.

A lenda que se tornou Maradona, jogou cada minuto da competição, conquistando o respeito de praticamente todos os que assistiam, fossem torcedores, dirigentes, treinadores ou mesmo adversários, que fizeram tudo humanamente possível para detê-lo. Mas apesar de um número recorde de faltas contra o herói argentino, seu coração estava destinado ao troféu, e merecidamente seguiu seu caminho.

Com seis gols, o inglês Gary Lineker terminou a Copa do Mundo de 1986 com a Chuteira de Ouro, mas foi a estrela argentina Maradona que conquistou a Bola de Ouro por seus dribles fenomenais. Ele é um dos dois únicos argentinos a receber a honra, com Lionel Messi seguindo seus passos em 2014. A estrela do PSG tenta replicar os feitos de Maradona conquistando o título neste inverno na Copa do Mundo de 2022 no Catar.

Os últimos anos de Maradona na Argentina

Maradona viria a disputar mais duas Copas do Mundo por seu país, sendo capitão do time nas duas competições. A primeira envolveria outra disputa na final e outro encontro com a Alemanha Ocidental, desta vez na Itália. O artilheiro do país, no entanto, desacelerou com uma lesão no tornozelo ao longo da competição e certamente não foi tão habilidoso na para fazer gols desta vez, com sua equipe perdendo por 1 a 0 para a Alemanha Ocidental em Roma na final.

A Copa do Mundo de 1994 nos EUA se seguiu, mas sua presença no torneio foi ofuscada por questões de fora do campo. No verdadeiro estilo de Maradona, o atacante roubou todas as manchetes graças ao seu teste de drogas reprovado após apenas duas partidas. Isso, é claro, deixou as autoridades sem escolha a não ser mandá-lo para casa.

A primeira partida, contra a Grécia, receberia seu último gol internacional pela Argentina, com sua última aparição no jogo seguinte contra a Nigéria. Maradona terminaria sua carreira internacional de enorme sucesso e seguidores com 34 gols em 91 partidas ao longo de um período de 17 anos.

Messi foi, sem dúvida, o único outro jogador a instigar sentimentos semelhantes nos torcedores da Argentina, com sua habilidade com o pé esquerdo despertando memórias do tempo de Maradona nos campos do país. A lenda do Brasil, Pelé, foi, é claro, outra que exibiu talentos tão fenomenais em um campo de futebol, junto com o ex-jogador do Manchester United e da Irlanda do Norte George Best.

Mas talvez nenhum tenha despertado tanta alegria no coração que Maradona despertou em seus seguidores, com sua morte em 2020 provando o quão popular ele era com todos os membros da comunidade do futebol e em todo o mundo.

 

Juliano Garcia Juliano Garcia

Apaixonado por esporte, sou um dos criadores do Minha Torcida.

[blocksy_breadcrumbs]