Histórias da Copa do Mundo: Brasil tricampeão mundial, foi o melhor time da história? (1970)

Com a Copa do Mundo de 2022 no Catar prevista para começar em novembro, estamos fazendo uma retrospectiva da história da Copa do Mundo e dos momentos bons, ruins e incríveis que permanecem em nossas memórias até hoje e viverão para sempre.

Em 1970, o Brasil conquistou o mundo com um time tão fantástico que a cada bater de asas da Canarinha resultava em um vento de inspirações pelas ruas e cidades da Cidade do México ao Rio de Janeiro, e de Dublin a Dakar, tatuando memórias em todos os lugares com momentos eternos de magia.

Tentar acompanhar suas manobras era praticamente impossível. Num piscar de olhos, eles podiam mudar de um ritmo de caminhada para um ritmo tão rápido que fazia com que eles se tornassem raios de sol escondidos em sua visão periférica.

Defender-se deles era como tentar esvaziar um barco afundando com um balde furado, como tentar enxergar algo na névoa, como tentar decifrar um sussurro subaquático compartilhado entre duas focas tímidas… acho que você entendeu. Eles eram bons, tão bons que, na verdade, eles podem ser a melhor equipe já montada na história.

Brasil 1970: as origens

Todo super-herói tem uma história de origem convincente e, o equivalente aos Vingadores do futebol, também tem uma. Em 1958 e em 1962, o Brasil foi campeão mundial, primeiro na Suécia com Garrincha, Djalma Santos, Vavá e Pelé e depois no Chile, quatro anos depois, com praticamente o mesmo conjunto de estrelas.

No entanto, na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, o Brasil não foi bem sob o comando do técnico Vicente Feola e com um Pelé machucado, Garrincha envelhecendo, Djalma Santos embarcando no final de sua carreira e o capitão Bellini chegando aos 40, eles foram eliminados na fase de grupos da competição.

Após o desastre de 66, Pelé, que apanhou muito durante o torneio, ficou tão machucado com a experiência que decidiu se aposentar do futebol internacional, embora essa decisão seria revertida pouco tempo depois.

Mesmo assim, a volta de Pelé não foi suficiente para acalmar as águas turbulentas e o Brasil passou por seis treinadores diferentes entre o verão de 1966 e 1969. Quando o polêmico João Saldanha foi finalmente demitido antes do início das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970 no México, as perspectivas para a Seleção eram desesperadamente sombrias.

No entanto, um golpe de mestre provocaria uma rápida reviravolta na sorte brasileira. Regeneração e novas ideias eram necessárias e o Brasil recorreu ao chefe do Botafogo, Mário Zagallo, para ajudar.

Zagallo foi campeão do mundo como jogador do Brasil em 1958 e em 1962 e com apenas 38 anos, ele ainda era jovem e relevante o suficiente para se relacionar com as estrelas do país.

Mario Zagallo, técnico do Brasil em foto de 1970, ano da copa do mundo em que o Brasil foi Tricampeão.
Mario Zagallo, técnico do Brasil em foto de 1970, ano da copa do mundo em que o Brasil foi Tricampeão.

Não demorou muito para Zagallo descobrir como reverter os erros de seu antecessor, João Saldanha. O Brasil não conseguiu lidar com o jogo físico dos rivais na Copa do Mundo de 1966 na Inglaterra e o projeto de Saldanha foi construído em torno de maneiras de tornar os brasileiros uma força mais combativa.

No entanto, a filosofia de Zagallo era completamente diferente e, em vez da combatividade, ele voltou o foco para os pilares do futebol brasileiro – habilidade, estilo e dribles.

“O que esta equipe precisa é de grandes jogadores, jogadores inteligentes”, disse Zagallo ao compartilhar suas ideias. “Vamos botar essa ideia em prática e ver onde isso nos leva.”

Classificação para 1970 garantida em grande estilo

Com suas algemas removidas, a equipe do Brasil, com uma nova sensação de liberdade, voou pelas eliminatórias da Copa do Mundo da CONMEBOL em 1970, alcançando o primeiro lugar no Grupo 2 à frente de Paraguai, Colômbia e Venezuela, graças a seis vitórias em seis jogos.

Tostão e Pelé brilharam, marcando 16 dos 23 gols do Brasil, embora a ascensão de grandes jogadores como Clodoaldo, Rivellino e Jairzinho acrescentou novas dimensões ao futebol da equipe.

Pelé, Jairzinho e Felix durante jogo entre Brasil e Itália no México na copa de 1970
Pelé, Jairzinho e Felix durante jogo entre Brasil e Itália no México na copa de 1970

Esta foi uma era muito antes de o futebol se tornar o jogo de números e porcentagens que é hoje. Em vez de superatletas treinados roboticamente realizando padrões gerados por computador escritos por especialistas em análise e cientistas de dados esportivos, você tinha uma pureza de roda livre. Um conjunto de jogadores jogando com genialidade e individualidade instintiva.

O Brasil de Zagallo estava tomando forma. Eles estavam se tornando a água que penetrava por cada rachadura e fenda e estavam prestes a estourar a represa no México.

Rumo ao México e à Fase de Grupos da Copa do Mundo

Mais de 50.000 pessoas lotaram os portões do Estádio Jalisco, em Guadalajara, para assistir ao primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo de 1970, no dia 3 de junho, e os sul-americanos deram um show para os presentes na estreia do Grupo 3 contra a Tchecoslováquia.

Na verdade, o Brasil começou perdendo devido a um gol de Ladislav Petráš, mas voltou para empatar o jogo com Rivellino antes do intervalo e, após o intervalo, um gol de Pelé e dois de Jairzinho permitiram que a Canarinha conseguisse impor sua autoridade no jogo.

O domínio do Brasil foi tal que Pelé tentou um audacioso gol do meio-campo no segundo tempo e, embora seu esforço para vencer Ivo Viktor de longe tenha falhado por pouco, a visão e a coragem que ele mostrou para aproveitar a chance foram um sinal da confiança que fluía pelas veias brasileiras.

Três dias depois, o Brasil voltou a jogar em Guadalajara, desta vez contra a atual campeã Inglaterra, no que foi um teste para suas aspirações. O Brasil venceu por 1 a 0 graças a um gol de Jairzinho após o intervalo, mas a margem de vitória deveria ter sido mais confortável. O goleiro da Inglaterra, Gordan Banks, fez AQUELA defesa icônica de uma cabeçada de Pelé, enquanto o capitão Bobby Moore fez uma série de desarmes habilmente cronometrados como o último homem. Eventualmente, a Inglaterra cedeu sob a implacável pressão brasileira quando Pelé deu o passe para Jairzinho marcar.

Histórias da Copa do Mundo: Brasil tricampeão mundial, foi o melhor time da história? (1970)
Pele e Jairzinho comemoram em jogo da copa de mundo de 1970

Já na fase seguinte, o Brasil manteve o ritmo no terceiro jogo com uma vitória por 3 a 2 sobre a Romênia, no dia 10 de junho, com Pelé marcando duas vezes e Jairzinho prolongando sua sequência de gols.

A passagem para as quartas de final foi jogada em grande estilo e a equipe brasileira de Zagallo estava prestes a ganhar velocidade.

Brasil entra no mata-mata

O Brasil permaneceu no Estádio Jalisco, em Guadalajara, para as quartas de final da Copa do Mundo, onde se esperava que um jogo contra o Peru, em 14 de junho, fosse facilmente superado.

A Seleção ignorou essas expectativas e jogou sem medo contra os peruanos ao ritmo do samba das arquibancadas. Rivellino colocou o time na frente com um chute de pé esquerdo aos 11 minutos, antes de Tostão dobrar a vantagem apenas quatro minutos depois.

O atacante do Cruzeiro, de 23 anos, fez mais um logo após o intervalo, antes de Jairzinho colocar a cereja no topo do bolo com um gol no ângulo no final. O Peru marcos dois gols de consolação, mas nunca ameaçou a Seleção de maneira genuína e, assim, o Brasil esteve um passo mais perto da glória.

No dia 17 de junho, o Brasil voltou ao Estádio Jalisco para enfrentar o Uruguai – time que havia virado o roteiro em 1950 ao derrotar os brasileiros anfitriões na final da Copa do Mundo, no Maracanã, no Rio de Janeiro.

No entanto, a vingança não estava na agenda, pelo menos não para esta geração de jogadores. Palavras como vingança não faziam parte do vocabulário do Joga Bonito e o Brasil de Zagallo só queria jogar.

No entanto, os uruguaios seriam uma forte oposição por um tempo nas semifinais. Eles eram bem treinados defensivamente e tinham colocado os marcadores com toque firme nos principais criadores do Brasil, Pelé e Gerson.

O Brasil sofreu um gol aos 19 minutos, quando Luis Cubilla marcou, contudo, um lance penetrante pela esquerda permitiu que Clodoaldo empatasse o jogo com uma finalização brilhante à beira do intervalo.

O gol de empate deu uma forte reviravolta no jogo e, no segundo tempo, o Brasil esteva em ascensão. Jairzinho finalizou outra jogada devastadora da equipe pelo meio antes de Rivellino adicionar a cereja no topo do bolo pouco antes do final.

A semifinal também ficou famosa por um lance icônico de Pelé que enganou o goleiro uruguaio Ladislao Mazurkiewicz ao deixar a bola passar. O brasileiro pegou a bola do outro lado do goleiro confuso, mas não conseguiu marcar em um gol vazio, negando à Copa do Mundo um de seus gols mais espetaculares.

Final da Copa do Mundo de 1970 Brasil x Itália

O Brasil experimentaria a atmosfera de uma nova arena pela primeira vez na Copa do Mundo de 1970, quando enfrentou a Itália na final da competição no Estádio Azteca, na Cidade do México.

Mais de 100.000 torcedores preencheram todos os espaços disponíveis na grande catedral esportiva, localizada logo depois da expansão urbana no bairro de Tlalpan.

Anunciado como um confronto entre futebol arte e futebol de resultado, a final foi um confronto entre duas ideologias extremamente contrastantes. Foi a fluidez de espírito livre do Brasil contra os arquitetos do estilo defensivo Catenaccio, embora a maioria dos presentes torcesse por uma vitória brasileira.

O Brasil demorou apenas 18 minutos para derrubar os italianos. Rivellino fez um cruzamento para a segunda trave, onde Pelé subiu mais alto que Enrico Albertosi para cabecear e marcar o 100º gol do Brasil na Copa do Mundo.

Esse gol deveria ter definido o tom da partida, contudo, um chute errado de Clodoaldo bem no meio do campo fez com que a bola fosse roubada aos 37 minutos, permitindo que Roberto Boninsegna equilibrasse as coisas.

Disposto a cortar qualquer ressurgimento italiano pela raiz, o Brasil explodiu no segundo tempo. Pelé desperdiçou uma oportunidade de restabelecer a liderança antes de Rivellino acertar a trave com um foguete de longe, no entanto, Gerson acabou marcando de longe com o pé esquerdo aos 65 minutos para provocar fortes comemorações dentro do estádio.

Seis minutos depois, o terceiro gol foi marcado quando um passe de Gerson encontrou Pelé, que colocou a bola na direção do avanço de Jairzinho. O prolífico atacante passou a bola por cima da linha e girou com os dois braços para cima. Ele havia estabelecido um novo recorde com sua estranha finalização, tornando-se o único jogador a marcar em todas as rodadas de uma Copa do Mundo.

Com a segurança de uma vantagem de dois gols deixando os brasileiros à vontade, eles começaram a dançar e, com dois minutos no relógio, marcaram um dos gols mais bonitos que o futebol já produziu.

Contendo nove passes, vários desvios de corpo, uma jogada com visão de outro mundo e um míssil de finalização – foi uma sequência tão deslumbrante que ainda é considerada o melhor gol já marcado na Copa do Mundo.

Clodoaldo, Gerson e Jairzinho estiveram envolvidos na habilidosa montagem. Era coisa de exibição e a jogada culminou num passe para Pelé do lado de fora da área italiana, onde o famoso número 10 do Brasil estava esperando para jogar um passe à sua direita com todo o equilíbrio casual de um pai jogando bola no jardim com seu filho pequeno. O zagueiro Carlos Alberto estava correndo ao encontro da bola e o jogador de 25 anos desferiu um chute com tanta ferocidade que quase arrancou a rede italiana.

Pelé segura o troféu da FIFA em ano que Brasil foi tricampeão mundial.

Pelé segura o troféu da FIFA em ano que Brasil foi tricampeão mundial.

4 a 1, final de jogo e o Brasil foi tricampeão mundial.

Grandes números, grandes recordes

A assistência de Pelé foi a sexta dele no torneio – um feito que continua sendo um recorde para uma única Copa do Mundo. O técnico Mário Zagallo se tornou o primeiro homem a conquistar o troféu como jogador e depois como treinador e sua equipe foi a primeira desde a década de 1930 a vencer todas as partidas da Copa do Mundo a caminho da conquista do troféu – seis jogos, seis vitórias nas eliminatórias e seis jogos, seis vitórias no torneio propriamente dito.

O Brasil marcou 3,2 gols por jogo no México – uma média superada apenas pela Hungria em 1982, cujos números foram significativamente aumentados por um bizarro triunfo de 10 a 1 sobre El Salvador.

Pelé se aposentou do futebol internacional em 1971, percebendo que não era possível superar suas atuações marcantes e as do Brasil no México um ano antes. Até hoje, a Canarinha de Zagallo permanece consagrada na mitologia da Copa do Mundo e do futebol como, indiscutivelmente, o melhor time que já jogou o jogo.

Juliano Garcia Juliano Garcia

Apaixonado por esporte, sou um dos criadores do Minha Torcida.

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