Nos últimos anos o debate relacionado a questões raciais no futebol ganhou muita força. O país, que foi sede da Copa do Mundo de 2014, ainda carrega consigo um estigma nenhum um pouco positivo, o de diversos casos de racismo no futebol nacional. Ano a ano o Brasil se depara com casos de racismo por parte de torcedores e as punições, em muitos casos, não são as mais adequadas ou são leves. Além disto, dentro de campo, o país tem muitos jogadores negros disputando partidas dos campeonatos nacionais e estaduais, mas enquanto isto, em relação a treinadores, dirigentes e outros cargos administrativos, a situação é bem diferente e a presença destes profissionais é cada dia mais raro.
No Brasil, o racismo na prática esportiva nasceu quase no mesmo ano que o futebol brasileiro. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o primeiro clube a ser fundado foi o Sport Club Rio Grande, que também foi a primeira equipe profissional de futebol no país. Apesar de hoje em dia, ser um esporte inclusivo, na medida do possível, na época a situação era bem diferente e era responsável por excluir diversas pessoas. Os clubes que se iniciaram não admitiam que a presença de atletas de classe média baixa ou que fossem negros, demorando anos para este cenário mudar.
No Rio do Grande do Sul, por exemplo, tivemos a criação da Liga dos Canelas Pretas, uma competição paralela que tinha a presença de atletas negros que não eram admitidos nos clubes. Com o sucesso maior da nova liga, que apresentava um futebol bem mais interessa e próximo da população, as equipes do Estado resolveram incluir atletas da Liga dos Canelas Pretas, em seus elencos. A partir dai surgiram, grandes nomes do futebol gaúcho, como Escurinho e Tesourinha, o último inclusive é nome de um importante ginásio em Porto Alegre.
Ao longo dos anos a presença de jogadores negros nas equipes de futebol foi se tornaram cada vez mais presente, mas consigo também surgiram problemas com os diversos casos de racismo que estes atletas sofreram e ainda sofrem. Na atual temporada, se discute inclusive que as equipes que tiverem casos comprovados de torcedores que usarem termos racistas para ofender um adversário, serão punidos com multa ou perda de pontos. Esta iniciativa pode ajudar a combater esta grande problema no futebol brasileiro, porém só o tempo irá dizer se será algo efetivo.
“Se a gente tem cada vez mais denúncias de racismo, nós deveríamos ter ações de combate ao racismo, que a gente ainda não tem o aumento das punições. É a estrutura do futebol que não permite a entrada de pessoas negras nestes espaços de comando. Quando estes casos de racismo vão para julgamento, em geral eles são julgados por homens brancos, que definem a gravidade ou não destas ações”, afirmou Marcelo Carvalho, presidente e fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, ao comentar sobre os casos de racismo no futebol.
Enquanto isto, o problema racial no futebol nacional também é visto em outras áreas do esporte. No Brasileirão deste ano não temos nenhum treinador negro na Série A do torneio. É verdade que tivemos a presença de Fernando Lázaro nas primeiras rodadas, mas acabou sendo demitido logo em seguida. Aliás, a presença de profissionais negros no comando das equipes é cada vez mais raro.
Para se ter uma ideia, 10 anos atrás, em 2013, o Brasileirão daquele ano contou com Silas, ex-jogador do Grêmio e que era o único treinador negro da competição. Porém, ele não permaneceu durante muito tempo e logo foi desligado. Na competição daquele ano ainda tivemos Jayme de Almeida, mas que ocupou um cargo de técnico interino e não de comandante titular da equipe do Flamengo. E o cenário nos anos seguintes também foi bem parecido, em determinado momento até tivemos uma possível mudança neste cenário, no ano de 2015, quando tivemos cinco treinadores negros no comando das equipes da Série A, mas que não ficaram mais de um ano no comando dos times.
“O ponto principal é a porta de entrada. Como se tornar um treinador de futebol. A questão hoje no Brasil é esta porta de entrada, porque? Porque se tem um curso na CBF que é caro, um investimento alto que você precisa saber, sem saber que vai chegar na oportunidade. A grande questão hoje é como incentivar pessoas negras a disputarem estes espaços. Não é nem estar e sim disputar estes espaços. Como a gente diz para um treinador negro não desistir, continuar no mercado, quando ele muitas vezes não é demitido por resultado. Se a gente não tiver pessoas negras disputando este espaço, o sistema vai acabar falando que é porque elas não querem. Está é a grande questão”, afirmou Marcelo Carvalho.
Outro cenário que impressiona e muito é a presença de presidentes e dirigentes de clube que são negros. Em 1904, Cândido José de Araújo se tornou o primeiro presidente negro na história do país, quando foi o mandatário do Vasco da Gama, porém este não é cenário muito comum, infelizmente. O que se observa que nos clubes das três primeiras divisões do futebol brasileiro, é que a presença de treinadores negros é bem incomum. Para ser uma ideia a CBF, entidade com cem anos existência, foi ter um presidente negro em sua história pela primeira nos últimos anos, com a entrada de Ednaldo Pereira. A Ponte Preta, uns primeiros clubes de futebol do país, foi responsável uns anos atrás em ter o único presidente negro nas duas primeiras divisões do país. Sendo um dos exemplos, na época, de combate ao racismo no futebol brasileiro.
O racismo no futebol brasileiro inibe novos profissionais
Este cenário de falta de representatividade também é vista na procura por capacitação e entrada no mercado de trabalho destes futuros profissionais. A The 360, uma das empresas responsáveis por produzir conteúdos voltados ao esporte, para capacitação de profissionais, gostaria de ter alunos negros que gostariam de se capacitar nos cursos ofertados, mas percebe uma falta de interesse, muito por conta desta falta de representatividade.
“A gente tem cursos que falam sobre diversidade no futebol e é um tema muito importante que precisa ser discutido. As portas precisam ser abertas para que mais profissionais negros possam se inspirar. É um pouco do que acontece com as mulheres, que tem aberto um pouco de espaço para elas se desenvolverem. Infelizmente o mundo do futebol ainda é muito retrógrado”, afirmou Lucas Benevides da The 360.
Uma destas soluções, apontadas pelo fundador e presidente do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, Marcelo Carvalho, é a que foi feita pela entidade, que ofertou bolsas de estudos para que alguns profissionais possam se capacitar no curso de treinador da CBF, que tem um alto valor.
“Em parceria com a CBF a gente ofertou, ano passado, bolsas para seis profissionais negros fazerem o curso de treinador e se capacitarem. Daqui a pouco a CBF olha para eles e dá mobilidade para eles,” completou Marcelo Carvalho.
O que é o Observatório da Discriminação Racial no Futebol
O Observatório da Discriminação Racial no Futebol foi criado em 2014, ano em que o país se preparava para sediar a Copa do Mundo daquele ano. A entidade tem como objetivo acompanhar os casos de racismo no futebol brasileiro e, por meio de algumas ações, combater e promover um esporte mais justo e inclusivo.